segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Peixinho vermelho... descanse em paz

Ontem, sábado de carnaval, depois de beber o dia inteiro, resolvi não sair de casa a noite. Estava de saco cheio e com uma tremenda ressaca... Como não consigo dormir até me recuperar totalmente, passei a madrugada em claro. Li um pouco e escrevi alguma coisa (engraçado como tudo o que escrevi e li se mostrou uma preparação para o que vinha a acontecer naquela noite pavorosa). Fui então beber um copo d'água antes de finalmente ir me deitar, já não suportava ficar acordado; não por sono, mais pelo simples nojo e enjôo de estar consciente.

Quando olhei pro aquário – isso o aquário – o peixinho vermelho que lá vivia, num minúsculo cubo de vidro em forma de casinha, estava morto. Deitado no fundo nem boiava ainda de ponta cabeça, como é o usual dos peixes mortos estarem... Bati no aquário, uma, duas vezes, pra ver se ele acordava. Não aceitei a idéia dele realmente estar morto, poderia estar apenas dormindo... mas não, tinha morrido mesmo.

Já tive vários contatos anteriores com a morte, mas a tristeza que me bateu ao ver aquele peixinho, que estava ali todos os dias, que nunca fez mal a ninguém ou deu trabalho algum, ou reclamou de algo e que eu alimentava até, as vezes... Nunca senti assim, tão profundamente, a morte de nada... nem do meu próprio pai, que me lembre. Um tio meu tinha morrido recentemente, mas me pareceu tão natural, mesmo ele tendo apenas trinta e poucos anos... E era até um tio próximo, querido... Mas aquele peixinho, que tinha pouco mais de dois anos... morreu tão cedo...

Aquele peixe era como um membro da família, o que mais se parecia comigo e com quem eu mais me identificava... por certo foi por isso que me senti tão mal. Uma parte de mim morreu com ele. Ele não incomodava ninguém, era quase que invisível, assim como eu... lembravam dele só para lhe darem comida, uma vez por dia, ritualmente. Certa vez o pote de ração pra peixe acabou, demorou semanas para lembrarem de comprar outro, eu mesmo, várias vezes, me esqueci. Mas ele sobreviveu apenas com o fubá que lhe jogavam...

Meu irmãozinho mais novo, sempre pedia pra colocar a comida no aquário, mas minha mãe não deixava, falava que tinha que por pouca comida, e só uma vez por dia, senão o peixe explodia... Uma vez por dia só, ele tinha algum prazer, se é que peixe sente prazer... Lembro de as vezes jogar um pouco de comida para ele, escondido, não pra ele explodir (não cai nessa), mas porque achava um absurdo ele comer uma vez por dia só, entende? Essa era a única diversão que tinha na vida...

De manhã (devia ser umas onze horas) meu irmão me acordou, avisando que o peixe havia morrido... disse que sabia e pedi para me deixarem continuar dormindo... pouco depois veio meu sobrinho, falando que o peixe tinha morrido mesmo. Voltei a dormir, não suportaria participar daquilo. Fingi que não ligava, como faço sempre... Mais tarde fiquei sabendo que as crianças fizeram um funeral pro pobre peixinho vermelho... colocaram até uma cruz em seu túmulo... Logo que acordei, meu irmão me arrastou pra lá, pedindo pra que eu rezasse por ele.

Não acredito em vida após a morte nem para os homens, como posso acreditar para um peixe? Porém, se alguém tem alma, é aquele peixe... Meu irmão mais novo perguntou, olhando triste para a cova que fizeram, porque o peixe morreu. Perguntou se é porque deram muita comida pra ele e ele explodiu... Disse que não, que morreu de velho e que todos e tudo um dia morre... Ele aceitou sem questionar, sentiu a verdade no que lhe havia dito... Mais a tarde o cachorro cavou onde o peixe estava enterrado e o comeu...

Aquele pobre peixe viveu a vida toda sozinho, não queria mais ninguém no seu aquário; vivia fechado no seu mundinho, mesmo estando longe de ser feliz, sabia que um outro só serviria para lhe trazer mais sofrimento... preferia estar só. E morreu sozinho. Nem se deu ao trabalho de boiar de barriga pra cima na superfície da água. Queria continuar lá, no fundo, perto da concha que coloquei pra ele. Morreu deitado como quem deita pra dormir...